quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Três Anos e Meio de um Sonho




Meu sonho começou uns dois meses antes da prova de 2010, em que OUSEI enfrentá-la, sem NUNCA ter estudado Direito do Trabalho. Ousei, acreditei no desafio e fui em frente. Sem medo, sem expectativas, sem compromisso...fiz minha inscrição e fui atrás de material. Vamos lá! Vamos ver o que é ser um Auditor-Fiscal do Trabalho! Vamos ver o que é estudar para um concurso de nível superior.

Pesquisei na internet algum curso, descobri o EVP e o nosso ilustre Prof. Ricardo Resende. 
Eu tinha dois meses para estudar, então, a estratégia era simples: estudar o que era importante, o que valia mais pontos no reduzido tempo e voilà!

Assisti a todas as aulas do RR, anotava tudinho, comia com arroz e feijão tudo o que ele dizia e a cada aula que assistia, eu sentia dentro de mim uma energia que nunca tinha sentido antes! Uma energia positiva e um sentimento de realização que nunca havia sentido antes! Tudo o que sempre acreditei, tudo o que sempre questionei e não tinha fundamentação ou conhecimento suficiente para contestar, para indagar, para reclamar, para ajudar...Era dentro do direito, da auditoria do trabalho que eu iria me realizar!

Tive ainda tempo de estudar Sociologia do Trabalho, Economia do Trabalho e Segurança e Saúde do Trabalho. Estava decidido! Eu seria uma AFT!

Fiz a prova e por mais ou menos umas 6 questões, eu me classificaria para a segunda fase. Isso gerou em mim um sentimento muito forte de tristeza com felicidade, que fica até meio difícil explicar. 

Tristeza porque a profissão que eu escolhi para mim não se viabilizou por algumas questões erradas nas disciplinas básicas (português, direito administrativo, direito constitucional); felicidade porque senti que era capaz! O sonho era possível. Só precisaria me dedicar aos estudos com mais afinco e um prazo maior. 

Desde então, comecei a investir pesado nesse sonho! Fiz vários cursos, li vários livros, criei um Blog e uma fanpage só para falar de Direito do Trabalho, estudei dia e noite, dias na biblioteca, em grupos de estudo, dedicação quase exclusiva! 

Com o tempo, a pressão de não estar trabalhando e só gastando com cursos e preparação, sem perspectivas de sucesso no próximo concurso foi só aumentando e fazendo com que aquele sentimento positivo e de encanto pela profissão desse lugar a sentimentos de medo, frustração e insegurança. Tive que fazer outros concursos, várias derrotas e uma “vitória”. Passei num concurso e comecei a trabalhar! Mas não era o que eu queria, não era o que eu sonhava, não tinha nada a ver comigo, mas eu precisava trabalhar, precisava do dinheiro, precisava me sentir “segura”. Doce ilusão! Fiquei triste por muito tempo porque não “amava” o que fazia. Meu amor estava destinado à auditoria do trabalho. E eu, aos trancos e barrancos, segui estudando e investindo no sonhado cargo. O restante, quem também se dedicou a esse concurso, já sabe: a decepção com o novo edital, com o novo “estilo” de prova e o mau desempenho. 

Doce ilusão a minha: achar que trabalho pode se relacionar com amor à profissão. 
Doce ilusão a minha: achar que o MTE/CESPE privilegiaria os conhecimentos INERENTES à profissão! Achar que privilegiaria o candidato que tivesse se dedicado às disciplinas relacionadas à rotina de trabalho de um AFT! Achar que privilegiaria o candidato que tivesse se dedicado ao máximo nos estudos!

Quanto a nossa dedicação e ao nosso merecimento, cada um sabe de si. Cada um sabe o quanto investiu de sua VIDA nesse objetivo. EU SEI O QUANTO INVESTI DE MINHA VIDA NESSE OBJETIVO!

Eu sei de tudo o que deixei passar por causa desse objetivo! 

Não me arrependo! Não me arrependo em hipótese alguma! Sou grata por cada conhecimento que adquiri nesses últimos 3 anos e meio. Sinto-me uma pessoa melhor, graças a esses novos conhecimentos. Não sou formada em Direito, já não sou nenhuma jovenzinha, mas decidi que é no DIREITO que devo ficar. Farei a graduação no próximo ano. Não sei que rumo devo tomar! Sei que onde estou, não devo ficar. Quero outra profissão, quero trabalhar dentro da área trabalhista. Nem que seja daqui à 5 ou 8 anos... 
Certamente, tudo isso que aconteceu em minha vida e na vida de alguns amigos - preciosos amigos, que adquiri, graças a esse sonho - não foi por acaso. Deus sabe o que faz e sabe o que é melhor para nós. 

E eu tenho plena confiança de que tudo isso que aconteceu em minha vida durante esses 3 anos e meio não foi em vão. Não vai morrer por causa de uma provinha em que tive um mau desempenho...

Outras provinhas virão e eu estarei melhor preparada. Que venham mais provinhas, que venham outros sonhos!

Tudo isso é para dizer que EU SEI BEM o quão difícil é a decepção de uma derrota, ainda mais quando tanto se dedicou, se persistiu, se perseverou, se acreditou!!! Mas a vida é assim. 

Desejo, do fundo de meu coração, sucesso aos vitoriosos nessa primeira fase. Que esses futuros AFTs façam por merecer esse título tão nobre e tão humano. Que esses futuros auditores vistam a camisa do TRABALHADOR; que lutem por seus direitos e sintam felicidade ao assinar uma carteira de trabalho, ao analisar um processo e averiguar que todos os direitos estão sendo cobrados do empregador; que sintam alegria ao orientar um trabalhador humilde e explorado; que se sintam realizados ao retirar um trabalhador da condição análoga a de escravo; que se regozijem ao proporcionar um sorriso nos lábios de trabalhadores que só o que querem é um trabalho onde tenham seus direitos respeitados e sejam tratados dignamente, como deve ser. 


domingo, 14 de abril de 2013

As Demissões Coletivas e seus Efeitos Jurídicos




No sistema capitalista de produção, diante de crises financeiras, empregadores demitem em massa, causando fortes impactos no mercado de trabalho.  Entretanto, o poder de demitir do empregador sofre limitações pelo ordenamento jurídico, sobretudo quando se trata de demissões em massa. 

Mesmo que, em regra, prevaleça na relação de emprego o princípio da continuidade, que tende a proteger o trabalhador contra a dissolução do contrato de trabalho, pressupondo para este, prazo indeterminado, há situações em que a dispensa acaba por ocorrer, trazendo várias implicações para os envolvidos no contrato de trabalho e até para a sociedade. A dispensa, quando individual, é regida pelo direito individual do trabalho - que possibilita ao empregador a não motivação ou justificação do ato, sendo suficiente apenas o pagamento das verbas rescisórias; quando coletiva, em que atinge um contingente expressivo de trabalhadores, é regida pelo direito coletivo do trabalho, seguindo alguns procedimentos diferenciados, como a negociação coletiva.

Em que pese o art. 7º, inciso I, da Constituição Federal proteger a relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, tal dispositivo depende de lei complementar, a qual não existe ainda. Sendo assim, o fato é que, em regra, tanto o empregador quanto o empregado podem pôr fim ao contrato de trabalho por ato voluntário. No caso do empregador, nas dispensas individuais, possui o direito potestativo de demitir, bastando o pagamento de verbas rescisórias, como saldo de salários, décimo terceiro, férias, concessão ou indenização de aviso-prévio e, ainda, o pagamento de multa compensatória do FGTS. Quanto ao empregado, aplicando-se o princípio da liberdade do trabalho, não é obrigado a trabalhar contra sua própria vontade, podendo se demitir a qualquer tempo. Nesse sentido, tanto o primeiro, quanto o segundo caso, são considerados atos unilaterais. Noutro viés, o poder potestativo do empregador, consubstanciado pela possibilidade de rescindir unilateralmente os contratos de trabalho, é limitado pelas garantias provisórias de emprego. No caso da dispensa individual, alguns trabalhadores possuem essas garantias, quais sejam: em licença previdenciária, com debilidades físicas reconhecidas, os portadores de necessidades especiais, as gestantes, os dirigentes sindicais e diretores eleitos de Comissões internas de Prevenção de Acidentes (CIPA), além de outros. Estes deverão ser excluídos do rol dos passíveis de desligamento.

Quanto à dispensa coletiva, esta assume matizes diferentes, não significando que seja vedada juridicamente, tendo em vista a falta de condições de trabalho em algumas empresas. Entretanto, levando-se em conta a massividade dos danos, deve observar vários princípios constitucionais, a começar pelo da dignidade da pessoa humana, além de outros como o do valor social do trabalho, da função social da empresa e o da negociação coletiva. Ademais, deve respeitar as  convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificadas pelo Brasil. Sendo assim, é imprescindível a participação do sindicato dos trabalhadores no sentido de trazer menos impactos sociais negativos, haja vista a presumida hipossuficiência dos trabalhadores. De toda sorte, mesmo sendo regida por esses e muitos outros princípios, além das convenções internacionais e jurisprudência, tais ordenamentos jurídicos possuem, em sua maioria, natureza de norma programática e de eficácia limitada, sendo naturalmente, problemático o desenrolar de uma demissão em massa.

Uma das formas positivas e minimizadoras dos problemas advindos da demissão em massa é a adoção de programas de incentivo ao desligamento voluntário (PDV), os quais constituem modalidade de demissão sem justa causa, porém incentivado pelo empregador e perfeitamente previsto na jurisprudência.  Nesses casos, o empregador paga as verbas rescisórias da demissão sem justa causa e um valor a título de incentivo ao desligamento, não sendo compensável em relação às verbas. Esta é, sem dúvida, uma maneira aceitável e sensata de se evitar os impactos negativos da demissão massiva, embora o emprego seja ainda o bem maior para os trabalhadores e para a sociedade como um todo.

Diante do exposto, a demissão coletiva é um dos maiores desafios jurídicos na contemporaneidade, haja vista seus impactos socioeconômicos avassaladores. Faz-se necessário repensar o ordenamento jurídico no sentido de impor regras mais claras e objetivas e, consequentemente, criar mecanismos para aplicação das mesmas para que a proteção alcance não somente os trabalhadores, como também todos aqueles envolvidos no sistema, fazendo valer os princípios de um Estado de direito e de bem-estar social, repelindo as dispensas massivas que abalam a todos.

domingo, 7 de abril de 2013

Ainda sobre a EC dos Domésticos



O que as pessoas precisam perceber é que só serão prejudicados os empregadores que EXPLORAM seus empregados domésticos. Por exemplo, NÃO pagando o mais que devido, salário-mínimo; as férias proporcionais; as horas extras e adicional noturno! 


O acréscimo mais significativo para o bolso do empregador "correto" seria o recolhimento do FGTS, que até então era opcional. 


Afinal de contas, será que por ser empregado "doméstico", este trabalhador deve laborar por mais de 8h diárias ou 44h semanais???

Será que por ser empregado "doméstico", este pode trabalhar o dia inteiro, estendendo a jornada de trabalho até altas horas da noite, sem direito aos respectivos adicionais???

Será que por ser empregado "doméstico", este não tem direito à multa de 40% do FGTS em caso de despedida sem justa causa???

Enfim... não entendo os argumentos contrários!!! 

Definitivamente, não entendo e não tenho paciência para tentar entendê-los!!!


No facebook: https://www.facebook.com/meunometrabalho

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Principais Características do FGTS



O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) surgiu em 1966, funcionando de maneira facultativa até 1988, como forma de substituição do sistema celetista de indenização por tempo de serviço e da estabilidade decenal. Hodiernamente é considerado um direito trabalhista e tem como função ser uma espécie de poupança obrigatória, imposta ao empregador pela Constituição Federal (CF/88), para casos de demissão imotivada de seus empregados. 

Tanto os supramencionados mecanismos de proteção ao trabalhador, criados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quanto a criação do  FGTS e, atualmente, a obrigatoriedade - em regra - do mesmo, seguem o princípio da continuidade da relação de emprego, segundo o qual presume-se que os contratos de trabalho são pactuados por tempo indeterminado, havendo interesse de que o vínculo empregatício seja permanente. Sendo assim, o contrato de trabalho não poderia ser desfeito arbitrariamente pelo empregador e, caso o fosse, o trabalhador teria garantias para suportar o período sem emprego.

Em regra, todo empregador deve recolher mensalmente a alíquota de 8% incidente sobre a remuneração do empregado, urbano ou rural, em conta vinculada na Caixa Econômica Federal em nome do trabalhador. O recolhimento compulsório é excepcionado pela CF/88 apenas no caso do doméstico - que tem recolhimento facultativo, mediante requerimento do empregador. Entretanto, nesse caso, uma vez recolhido o valor do FGTS pelo empregador, este vincula-se a fazê-lo por todo o período do contrato de trabalho.

A incidência da alíquota do FGTS se dá sobre todas as parcelas remuneratórias pagas ao empregado, cuja natureza seja salarial, bem como sobre a média das gorjetas. Incide até mesmo sobre horas extras e adicionais eventuais, independentemente de habitualidade. Também constitui base de cálculo do FGTS o aviso prévio indenizado, segundo jurisprudência do TST. A multa compensatória do FGTS, devida em caso de dispensa imotivada do trabalhador, é composta por todos os depósitos feitos pelo empregador ao longo do contrato. 

De forma geral, pode-se afirmar que incide FGTS nos casos de interrupção do contrato de trabalho, como no período de férias, por exemplo, e não incide nos casos de suspensão do contrato de trabalho, já que as principais obrigações das partes no contrato de trabalho estão suspensas. Entretanto, há exceções quanto ao afastamento em caso de acidente de trabalho e para prestar serviço militar obrigatório, hipóteses de suspensão do contrato de trabalho em que o recolhimento é obrigatório.

Após o encerramento do contrato de trabalho, deve-se observar o prazo de dois anos para a propositura da reclamação trabalhista, no sentido de reaver os valores devidos quanto ao FGTS. Esta é a chamada prescrição bienal do FGTS. Entretanto, diferentemente da prescrição trabalhista quinquenal, aplica-se a prescrição trintenária (de 30 anos) para reclamar a ausência de depósitos fundiários. Sendo assim, observado o período de 2 anos após o encerramento do contrato de trabalho, o trabalhador terá 30 anos para reclamar o não recolhimento da contribuição do FGTS. É o que preceitua entendimento do TST, pela Súmula 362.

Diante do exposto, podemos perceber que o FGTS é essencial ao trabalhador pois visa, principalmente, atender a uma situação de vulnerabilidade do mesmo diante do desemprego involuntário, garantindo assim, a sua subsistência. Mas, de forma subsidiária, o Fundo também é utilizado em programas sociais de habitação, saneamento básico e infraestrutura, refletindo de forma sistemática e no âmbito socioeconômico. 


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Recebimento de salário por produção.



O sistema de pagamento do salário por produção, embora pareça justo, é extremamente danoso ao trabalhador, pois este, para conseguir ganhar mais, usa o limite de suas forças físicas e mentais no trabalho, o que é muito comum e atual na indústria sucroalcooleira, em que o trabalhador - cortador de cana - tem vários direitos cerceados e desrespeitados sob a desculpa dessa forma de recebimento do salário.

João Boa Morte, cabra marcado para morrer.




Vou contar para vocês
um caso que sucedeu 
na Paraíba do Norte
com um homem que chamava
Pedro João Boa-Morte
lavrador da Chapadinha:
talvez tenha boa morte
porque vida ele não tinha.

Sucedeu na Paraíba
mas é uma historia banal
em todo aquele Nordeste.
Podia ser no Sergipe, 
Pernambuco ou Maranhão, 
que todo cabra-da-peste
ali se chama João
Boa-Morte, vida não.

Morava João nas terras
de um coronel muito rico,
tinha mulher e seis filhos,
um cão que chamava "Chico",
um facão de cortar mato,
um chapéu e um tico-tico.

Trabalhava noite e dia
nas terras do fazendeiro, 
mal dormia, mal comia,
mal recebia dinheiro;
se não recebia não dava
para acender o candeeiro.
João não sabia como
fugir desse cativeiro.

Olhava pra's crianças
de olhos cavados de fome,
já consumindo a infância 
na dura faina da roça.
Sentia um nó na garganta.
Quando uma delas almoçava
as outras não, a que janta
no outro dia não almoça.

Olhava para Maria,
sua mulher, que a tristeza
na luta de todo o dia
tão depressa envelheceu.
Perdera toda a alegria
perdera toda a beleza
e era tão bela no dia
que João a conheceu.

Que diabo tem nesta terra,
neste Nordeste maldito, 
que mata como uma guerra
tudo que é bom e bonito?
Assim João perguntava
para si mesmo e lembrava
que a tal guerra não matava
o coronel Benedito!

Essa guerra do Nordeste
não mata quem é doutor
não mata quem é dono de engenho, 
só mata cabra-da-peste
só mata o trabalhador.
O dono do engenho engorda,
vira logo senador.

Não faz um ano que os homens 
que trabalham na fazenda
do coronel Benedito
tiveram com ele um atrito
devido ao preço da venda.
O preço do ano passado
já era tão baixo e no entanto
o coronel não quis dar
o novo preço ajustado.

João e seus companheiros
não gostaram da proeza:
se o novo preço não dava
para garantir a mesa,
aceitar preço mais baixo
já era muita fraqueza.
"Não vamos voltar atrás.
Prescisamos de dinheiro,
se o coronel não dá mais 
vendemos nosso produto
para outro fazendeiro".

Com o coronel foram ter
mas quando comunicaram
que a outro iam vender
o cereal que plantaram,
o coronel respondeu:
"Ainda está para nascer 
um cabra pra fazer isso.
Aquele que se atrever 
pode rezar, vai morrer,
vai tomar chá de sumiço."
O pessoal se assustou.
Sabiam que o fazendeiro
não brinca com lavrador.
Se quem obedece morre
de fome e desespero,
quem não obedece corre
ou vira "cabra morredor."

Só um deles se atreveu
a vender seu cereal.
Noutra fazenda vendeu
mas vendeu e se deu mal.
Dormiu mas não amanheceu.
Foram encontrá-lo enforcado
de manhã num pé de pau.
Debaixo do morto estava
um cabra do Benedito
que dizia a quem passava:

"Esse moleque maldito
pensou que desrespeitava
o que o patrão tinha dito.
Toda planta que aqui nasce
é planta do coronel, 
ele manda nesta terra
como Deus manda no céu.
Quem estiver descontente
acho melhor não falar
ou fale e depois se agüente
que eu mesmo venho enforcar."

João ficou revoltado
com aquele crime sem nome.
Maria disse: "Cuidado,
não te mete com esse homem."
João respondeu zangado:
"Antes morrer enforcado
do que sucumbir de fome."

Nisso pensando, João
falou com seus companheiros:
"Lavradores, meus irmãos, 
esta nossa escravidão
tem que ter um paradeiro.
Não temos terra, nem pão, 
vivemos em um cativeiro.
Livremos nosso sertão
do jugo do fazendeiro."

O coronel Beneditino
quando soube que João
tais coisas havia dito 
ficou bravo como o cão.
Armou dois "cabras" e disse:
- "João Boa-Morte não presta,
não quero na minhas terras
caboclo metido a besta."

"Vou Lhe dar uma lição.
Ele quer terra, não é?
Pois vai ganhar o sertão.
Vai ter de andar a pé
desde aqui ao Maranhão.
Quando virar vagabundo
vai ter de baixara a crista.
Vou avisar todo mundo
que esse cabra é comunista.
Quem mexe com o Benedito
bem caro tem de pagar.
Ninguém lhe dará um palmo
de terra pra trabalhar."

Se assim disse, assim fez.
João foi mandado embora
de seu casebre pacato.
Disse a Maria: " - Não Chora,
todo patrão é ingrato."
E saíram mundo afora,
ele, Maria, os seis filhos
e o facão de cortar mato.

Andaram o resto do dia 
e quando a noite caía
chegaram numa fazenda:
"- Seu doutor, tenho família,
sou homem trabalhador.
Me ceda um palmo de terra
pra eu trabalhar pro senhor."

Ao que o doutor respondeu:
"Terra aqui tenho sobrando, 
todo este baixão é meu.
Se planta e colhe num dia, 
pode ficar trabalhando."
"- Seu coronel, me desculpe,
mas eu não sei fazer isso.
Quem planta e colhe num dia, 
não planta, faz feitiço."
"- Neste caso, não discuta, 
acho melhor ir andando."

E lá se foi Boa-Morte
com a mulher e os seis meninos.
Talvez eu tenha mais sorte
na fazenda dos Quintinos."
Andaram rumo do Norte, 
para além da Várzea dos Sinos:
"- Coronel, morro de fome
com seis filhos e a mulher.
Me dê trabalho, sou homem 
para o que der e vier."

E o coronel respondeu:
"- Trabalho tenho de sobra.
E se é homem como diz
quero que me faça agora
esta raiz virar cobra
e depois virar raiz.
Se isso não faz, vá-se embora."

João saiu com a família
num desespero sem nome.
Ele, os filhos e Maria
estavam mortos de fome.
Que destino tomaria?
Onde iria trabalhar?
E à sua volta ele via
terra e mais terra vazia,
milho e cana a verdejar.

O sol do sertão ardia
sobre os oito a caminhar.
Sem esperança de um dia
ter um canto pra ficar, 
à sua volta ele via
terra e mais terra vazia
milho e cana a verdejar.

E assim, dia após dia, 
andaram os oito a vagar,
com uma fome que doía 
fazendo os filhos chorar, 
mas o que mais lhe doía
era, com fome e sem lar, 
ver tanta terra vazia
tanta cana a verdejar.

Era ver terra e ver gente
daquele mesmo lugar, 
amigos, quase parentes, 
que não podiam ajudar, 
que se lhe dessem pousada
caro tinha que pagar.
O que o coronel ordena
é bom não contrariar.

A muitas fazendas foram,
sempre o mesmo resultado.
Mundico, o filho mais moço, 
parecia condenado.
Pra respirar era um esforço, 
só andava carregado.
"- Mundico, tu ta me ouvindo?"
Mundico estava calado. 

Mundico estava morrendo, 
coração quase parado.
Deitaram o pobre no chão, 
no chão com todo cuidado. 
Deitaram e ficaram vendo
morrer o pobre coitado.

"- Meu filho", gritou João, 
se abraçando com o menino.
Mas de Mundico restava
somente o corpo franzino.
Corpo que não precisava 
nem de pai nem de pão, 
que precisava de chão
que dele não precisava.

Enquanto isso ali perto
detrás de uma ribanceira, 
três cabras com tiro certo
matavam Pedro Teixeira, 
homem de dedicação
que lutara a vida inteira
contra aquela exploração.
Pedro Teixeira lutara
ao lado de Julião
falando aos caboclos para 
dar melhor compreensão
e uma Liga organizara
pra lutar contra o patrão, 
pra acabar com o cativeiro 
que exista na região, 
que conduz ao desespero
toda uma população
onde só o fazendeiro
tem dinheiro e opinião.

Essa não foi a primeira
morte de encomenda
contra um líder camponês.
Outros foram assassinados 
pelos donos da fazenda.
Mas cada Pedro Teixeira
que morre, logo aparece
mais um, mais quatro, mais seis 
- que a luta não esmorece
agora que o camponês, 
cansado de fazer prece
e de votar em burguês, 
se ergue contra a pobreza
e outra voz já não escuta, 
só a voz que chama pra luta
- voz da Liga Camponesa.

Mas João nada sabia
no desespero em que estava,
andando aquele caminho
onde ninguém o queria.
João Boa-Morte pensava
que se encontrava sozinho
e que sozinho morreria. 

Sozinho com cinco filhos
e sua pobre Maria
em cujos olhos o brilho
da morte se refletia.
Já não havia esperança,
iam sucumbir de fome
ele, Maria e as crianças.
Naquela terra querida, 
que era sua e não era,
onde sonhara com a vida
mas nunca viver pudera, 
ia morrer sem comida
aquele de cuja lida
tanta comida nascera.

Aquele de cuja mão
tanta semente brotara, 
que filho daquele chão, 
aquele chão fecundara;
e assim se fizera homem 
para agora, como um cão, 
morrer, com os filhos, de fome. 

E assim foi que Boa-Morte
quando chegou a Sapé,
desiludido da sorte, 
certo que ia morrer, 
decidiu que aquele dia
antes da aurora nascer
os cinco filhos mataria
e mataria a mulher
depois se suicidaria 
para acabar de sofrer.

Tomada essa decisão
sentiu que uma paz sofrida
brotava em seu coração.
Era uma planta perdida, 
uma flor de maldição
nascendo de sua mão
que sempre plantara a vida.

Seus olhos se encheram d'água.
Nada podia fazer.
Pra quem vive na mágoa, 
mágoa menor é morrer.
Que sentido tem a vida
pra quem não pode viver?
Pra quem plantando e colhendo
não tem direito a comer?
Pra que ter filhos, se os filhos
na miséria vão morrer?
É preferível matá-los
aqueles que os fez nascer.

Chegando a um lugar deserto
pararam para dormir.
Deitaram todos no chão
sem nada para se cobrir.
Quando dormiam João
levantou-se devagar
pegando logo o facão
com que os ia degolar.

João se julgava sozinho
perdido na escuridão
sem ter ninguém para ajudá-lo
naquela situação. 
Sem amigo e sem carinho
amolava o seu facão
pra matar a família
e varar seu coração. 

Mas como um louco atrás dele 
andava Chico Vaqueiro, 
um lavrador como ele
como ele sem dinheiro
para levá-lo para a Liga
e lhe dar um paradeiro
para que assim ele siga
o caminho verdadeiro.
Pra dizer-lhe que a luta
só agora vai começar,
que ele não estava sozinho
não devia se matar. 
Devia se unir aos outros
para com os outros lutar.
Em vez de matar os filhos
devia era os libertar
do jugo do fazendeiro
que já começa a findar.

E antes que Boa-Morte, 
levado pela aflição, 
em seis peitos diferentes 
varasse o seu coração, 
Chico Vaqueiro chegou:
"- Compadre, não faça isso
não mate quem é inocente. 
O inimigo da gente 
- lhe disse Chico Vaqueiro - 
não são os nossos parentes,
o inimigo da gente
é o coronel fazendeiro.

O inimigo da gente 
é o latifundiário
que submete a nós todos 
a esse cruel calvário.
Pense um pouco meu amigo
não vá seus filhos matar. 
É contra aquele inimigo
que nós devemos lutar.
Que culpa tem seus filhos?
Culpa de tanto penar?
- Vamos mudar o sertão
pra vida deles mudar."
Enquanto Chico falava
no rosto magro de João 
uma nova luz chegava.
E já a aurora, do chão, 
de Sapé, se levantava.

E assim se acaba uma parte
da história de João.
A outra parte da história
vai tendo continuação
não neste palco de rua,
mas no palco do sertão. 
os personagens são muitos
e muita a sua aflição.
Já vão compreendendo
como compreendeu João, 
que o camponês vencerá
pela força da união. 
Que é entrando para as Ligas
que lê derrota o patrão, 
que o caminho da vitória
está na Revolução!



(João Boa Morte, Cabra Marcado para Morrer, cordel, 1962)