quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Filhos do Mundo



Em um belo final de tarde, o céu assemelhava-se a uma tela de Monet. O “céu de baunilha” apresentava um matiz deslumbrante, com nuvens levemente lilases e nuances mais fortes de laranja vibrante. Na beira-mar não havia o nosso famoso vento nordeste, o que permitiu que nossas águas exibissem seus tons esverdeados.

O bem-estar proporcionado por esse cenário se desfez em uma fração de segundos quando um menino surgiu na faixa de pedestres, com duas bolas que mal se equilibravam em suas mãozinhas. Com seus, mais ou menos, oito anos de idade, tentava fazer uma apresentação de malabarismo. Usava uma veste maltrapilha e suja, calçava chinelo de dedo e seu olhar, seu olhar... Ele não olhava para os carros, ou para quem estava dentro deles. Olhava para as bolinhas, concentrado tentava não deixá-las cair. O contexto e o olhar tristonho denunciavam o abismo social no qual estava inserido.

Será que quem estava dentro dos carros “olhava” para ele? Talvez alguns olhassem, mas não o enxergavam. A alienação é cômoda e representa um refrigério ao ser social imerso em um mundo particular, onde o primordial é vencer e exibir troféus aos seus pares.

Ingênuos são os que pensam que passaremos imunes a essa cegueira social e porque não dizer, moral.

É fácil justificar o comportamento apático e neutro. Quem não tem uma rotina apressada, desenfreada e afundada em preocupações... A vida moderna nos exige um comportamento quase indiferente a tudo e a todos. Estamos tão voltados para os nossos interesses, nossos objetivos, nosso futuro, que deixamos de vivenciar o “hoje” e mal reparamos em “quem” passa por nós. Esse “quem” se refere a alguém, a uma pessoa, a um ser humano.

Aquele menino da faixa de pedestres é conhecido por todos nós, tenho certeza. Mas será que ainda há quem não o reconheça? Será que ninguém sabe que o pai dele é o mundo? Sim, ele é um dos filhos do mundo. Provavelmente seus “pais” biológicos também o foram... E, por não entenderem o significado da palavra “pai/mãe”, deixam que o Grande Pai – Mundo – cuide dele.

Provavelmente, as míseras moedinhas que esses filhos do mundo conseguem arrecadar nas ruas sustentam famílias em detrimento da infância. O que seria mais importante? Sobreviver ou estudar e brincar?

Ignorância à parte, bem sabemos que a exploração do trabalho infantil é uma realidade. No mundo inteiro crianças são cerceadas de uma infância saudável, tranqüila e de oportunidades. Milhares delas são vistas diariamente nas ruas, vendendo balas ou bugigangas, engraxando sapatos, vigiando carros ou fazendo algum trabalho “artístico”, para não mencionar aquelas envolvidas em atividades ilícitas, como o tráfico de drogas. Há ainda as que são subjugadas por exploradores, sucumbindo em uma sobrevida de escravidão, servidão por dívida, trabalho forçado ou prostituição.

Nesse contexto, tais crianças são submetidas a situações extremas de vulnerabilidade e expostas a riscos infindáveis, não apenas à saúde biológica como também psíquica. Inúmeras são as situações desumanas com as quais meninos e meninas lidam diariamente, sem nenhuma possibilidade de lutar contra a tirania de alguns.

Nesse contexto, proponho: que tal sairmos um pouco de nosso mundinho particular e começarmos a observar o externo?



Obra de Arte: Ellenice Silveira



5 comentários:

  1. Olá Nirsan,
    Que artigo maravilhoso!!! Parabéns. O serviço público precisa de pessoas como você.
    Abraços,
    Italo Romano Eduardo

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  2. Show de bola. Parabens!!!
    Manu

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  3. Muito alem da relevância do tema,o que mais toca aos leitores e a mim especialmente que tenho o previlégio de conhece-la tão bem é a verdade do ser humano Nirsan.Completando um outro comentario digo que a politica,o mundo precisa de pessoas assim

    Rosangela Grillo

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  4. Muito Bacana Nirsan! Pessoas como você, são muito importante para o País.

    Parabéns!!!

    Jane

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  5. Quem é você, de verdade?
    "...As pessoas mais talentosas, em sua maioria, são as mais modestas, autênticas e sem pose."
    Martha Medeiros

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